É mais compensador libertar esta informação [Luanda Leaks] do que atacar o mundo do futebol?
Por
vezes fico um pouco triste porque o Football Leaks não atingiu tudo
o que esperava no início. Para os denunciantes, o mundo do futebol
não é o sítio mais fácil para entrar. Creio que o Football Leaks
foi uma das mais perigosas fugas de informação. Os denunciantes do
futebol correm muito mais perigo do que os de outros negócios, como
os dos Panama Papers ou dos LuxLeaks.
Por que é que pensa isso?
As
empresas de fachada e os evasores fiscais têm consideravelmente
menos adeptos do que os clubes de futebol. O futebol vive do
entusiasmo e das emoções dos adeptos. Se descobrirmos alguma
falcatrua nesta área ganhamos logo um monte de inimigos.
Já foi acusado de ter sido o responsável pela divulgação de documentos do Benfica [Mercado de Benfica], que é provavelmente o mais influente clube em Portugal. O Benfica é agora crítico da sua colaboração com as autoridades. O que pensa disso?
A
colaboração foi feita de forma totalmente legal. Se não estão
contentes com isso é problema deles. Pensam que dominam o país. Mas
acabou, porque as pessoas começam a abrir os olhos.
O que quer dizer quando afirma que o Benfica domina o país?
Este
clube é como um polvo de influência. Há um pormenor muito
importante sobre o qual quero que o público pense. Ao mesmo tempo
que as autoridades portuguesas enviavam um pedido às autoridades
húngaras para alargar o meu mandado de detenção europeu, o
ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria recebeu dois bilhetes
VIP para jogos do Benfica e teve encontros no estádio do Benfica.
Isto é o Benfica.
Não terá sido uma mera coincidência?
Na
minha opinião não. Depois da publicação de e-mails do Benfica,
todos começaram a perceber que o modus operandi dos seus dirigentes
era alargar a influência, muitas vezes por cortesia, para alcançar
os seus objetivos. O Benfica foi uma das partes mais interessadas no
alargamento do mandado de detenção europeu. A Péter Szijjártó
[ministro dos Negócios Estrangeiros] faltou o senso comum, e como
diz o ditado “à mulher de César não basta ser, é preciso
parecer”. Ficará sempre uma nuvem de suspeição sobre o
alargamento do mandado europeu de detenção.
As suas denúncias abalaram a confiança em boa parte dos organismos do futebol e nos maiores clubes. Essa desconfiança será reparável?
Como
podemos acreditar que as instituições do futebol vão de facto
trabalhar no melhor interesse do desporto? Tenho a sensação de que
a UEFA sabotou as investigações contra o Paris Saint-Germain sobre
o fair
play financeiro.
Os clubes poderosos podem escapar de tudo se tiverem a forma certa de
influenciar. O futebol claramente perde a sua identidade e as suas
características se os bilionários injetarem dinheiro em alguns
clubes e com isso conseguirem que vençam as competições
internacionais. O futebol não devia ser isto.
Não tem nenhuma esperança?
Tenho
esperança porque há alguns resultados. Recentemente, o
procurador-geral suíço abandonou o cargo por causa dos encontros
com Gianni Infantino. Há uns anos ninguém pensava que fosse
possível. Mas vejam o comunicado da FIFA: o comité de ética da
FIFA declarou que a FIFA não cometeu nenhum crime. É ridículo.
Qual é a sua perspetiva em relação ao julgamento?
Será
algo do tipo David contra Golias, porque seremos eu e os meus
advogados contra os interesses poderosos e obscuros da sociedade
portuguesa. Alguns dos advogados do outro lado representam noutros
processos pessoas suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro,
pelo que me vêem naturalmente como uma ameaça.
O seu advogado William Bourdon disse que se irá declarar inocente perante a juíza. É verdade?
Espero
ser absolvido, porque sou um denunciante e atuei de boa fé. Atuei no
interesse público, para mostrar o que estava errado, não apenas no
futebol mas noutras áreas também.
Parece ser movido pela vontade de revelar crimes e injustiças. Imagina-se a trabalhar para as autoridades portuguesas depois de o julgamento terminar?
Nunca
pensei nisso. Primeiro quero resolver a minha situação legal e ser
absolvido. Mas em abstracto posso dizer que quero que o meu trabalho
sirva um propósito. Quero uma mudança real.
(Com a devida vénia, excerto da entrevista de Rui Pinto ao Der Spiegel e que o Expresso publicou)
Sem comentários:
Enviar um comentário