quinta-feira, setembro 03, 2020

Rui Pinto na terra da batota!

 

É mais compensador libertar esta informação [Luanda Leaks] do que atacar o mundo do futebol?


Por vezes fico um pouco triste porque o Football Leaks não atingiu tudo o que esperava no início. Para os denunciantes, o mundo do futebol não é o sítio mais fácil para entrar. Creio que o Football Leaks foi uma das mais perigosas fugas de informação. Os denunciantes do futebol correm muito mais perigo do que os de outros negócios, como os dos Panama Papers ou dos LuxLeaks.


Por que é que pensa isso?


As empresas de fachada e os evasores fiscais têm consideravelmente menos adeptos do que os clubes de futebol. O futebol vive do entusiasmo e das emoções dos adeptos. Se descobrirmos alguma falcatrua nesta área ganhamos logo um monte de inimigos.


Já foi acusado de ter sido o responsável pela divulgação de documentos do Benfica [Mercado de Benfica], que é provavelmente o mais influente clube em Portugal. O Benfica é agora crítico da sua colaboração com as autoridades. O que pensa disso?


A colaboração foi feita de forma totalmente legal. Se não estão contentes com isso é problema deles. Pensam que dominam o país. Mas acabou, porque as pessoas começam a abrir os olhos.


O que quer dizer quando afirma que o Benfica domina o país?


Este clube é como um polvo de influência. Há um pormenor muito importante sobre o qual quero que o público pense. Ao mesmo tempo que as autoridades portuguesas enviavam um pedido às autoridades húngaras para alargar o meu mandado de detenção europeu, o ministro dos Negócios Estrangeiros da Hungria recebeu dois bilhetes VIP para jogos do Benfica e teve encontros no estádio do Benfica. Isto é o Benfica.


Não terá sido uma mera coincidência?


Na minha opinião não. Depois da publicação de e-mails do Benfica, todos começaram a perceber que o modus operandi dos seus dirigentes era alargar a influência, muitas vezes por cortesia, para alcançar os seus objetivos. O Benfica foi uma das partes mais interessadas no alargamento do mandado de detenção europeu. A Péter Szijjártó [ministro dos Negócios Estrangeiros] faltou o senso comum, e como diz o ditado “à mulher de César não basta ser, é preciso parecer”. Ficará sempre uma nuvem de suspeição sobre o alargamento do mandado europeu de detenção.


As suas denúncias abalaram a confiança em boa parte dos organismos do futebol e nos maiores clubes. Essa desconfiança será reparável?


Como podemos acreditar que as instituições do futebol vão de facto trabalhar no melhor interesse do desporto? Tenho a sensação de que a UEFA sabotou as investigações contra o Paris Saint-Germain sobre o 
fair play financeiro. Os clubes poderosos podem escapar de tudo se tiverem a forma certa de influenciar. O futebol claramente perde a sua identidade e as suas características se os bilionários injetarem dinheiro em alguns clubes e com isso conseguirem que vençam as competições internacionais. O futebol não devia ser isto.


Não tem nenhuma esperança?


Tenho esperança porque há alguns resultados. Recentemente, o procurador-geral suíço abandonou o cargo por causa dos encontros com Gianni Infantino. Há uns anos ninguém pensava que fosse possível. Mas vejam o comunicado da FIFA: o comité de ética da FIFA declarou que a FIFA não cometeu nenhum crime. É ridículo.


Qual é a sua perspetiva em relação ao julgamento?


Será algo do tipo David contra Golias, porque seremos eu e os meus advogados contra os interesses poderosos e obscuros da sociedade portuguesa. Alguns dos advogados do outro lado representam noutros processos pessoas suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro, pelo que me vêem naturalmente como uma ameaça.


O seu advogado William Bourdon disse que se irá declarar inocente perante a juíza. É verdade?


Espero ser absolvido, porque sou um denunciante e atuei de boa fé. Atuei no interesse público, para mostrar o que estava errado, não apenas no futebol mas noutras áreas também.


Parece ser movido pela vontade de revelar crimes e injustiças. Imagina-se a trabalhar para as autoridades portuguesas depois de o julgamento terminar?


Nunca pensei nisso. Primeiro quero resolver a minha situação legal e ser absolvido. Mas em abstracto posso dizer que quero que o meu trabalho sirva um propósito. Quero uma mudança real.


(Com a devida vénia, excerto da entrevista de Rui Pinto ao Der Spiegel e que o Expresso publicou) 

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